Postado em: 30/09/2023

Artigo - Tempo de despertar

Confira o artigo do presidente da Ahpaceg publicado hoje, 30/09/23, no jornal O Popular

 

Tempo de despertar

 

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É da natureza humana tentar bloquear lembranças difíceis e dolorosas. Vemos muito disso nos relacionamentos amorosos em que casais se separam porque a convivência deixou de ser saudável, depois de algum tempo separados, somente as boas lembranças aflorando, resolvem dar mais uma chance, para depois descobrirem o porquê tinham terminado. O problema surge quando esse mecanismo nos atrapalha a refletir sobre os fatos ocorridos e a aprender com eles.

Em pouco mais de um ano, em que a pandemia de Covid deixou de ser o assunto principal nos noticiários e rodas de conversa, percebemos relatos completamente díspares daqueles que viveram todo o drama que ceifou mais de 700 mil vidas no nosso País. 

Para alguns poucos, não houve nada além de histeria pública. Para a vasta maioria, foi uma experiência real, dolorosa. Existe um terceiro grupo que além dos sentimentos e percepções da maioria, teve de lidar com a morte no dia a dia, precisou escolher quem ficaria no último leito do hospital, que teve de explicar para a família que aquela “gripezinha” tinha levado seu ente querido. Viveram em hospitais lotados, com pacientes entubados no centro cirúrgico e no pronto-socorro, sem conseguir atender ou transferir. Para esses, as lembranças da Covid-19 demorarão muito mais para desaparecer, se é que o farão um dia.

Mesmo que conscientemente não pensemos mais na pandemia ou falemos sobre ela, algumas coisas mudaram e provavelmente para sempre na nossa rotina. Vermos pessoas de máscara na rua não mais gera estranheza, mas algumas mudanças são mais sutis e perceptíveis apenas por nós, da área da saúde.

Tudo indica que os pacientes finalmente acordaram e estão muito mais cientes dos seus diretos. Se mostram muito mais exigentes e incisivos na escolha dos hospitais onde se internarão, algo incomum antes da pandemia, quando tinham uma preferência, mas não sendo possível, aceitavam os outros lugares indicados pelas operadoras. 

Não é por outro motivo que os melhores hospitais da cidade, mesmo tendo passado por expansões recentes, estão invariavelmente lotados. Hoje, esses pacientes ou seus parentes nos ligam, dizendo que querem uma vaga e não arredarão pé até que ela apareça. Obviamente isso nos enche de orgulho, mas também nos preocupa. Não podemos trabalhar acima da nossa capacidade e algumas patologias não podem esperar. Esse fato novo está sendo discutido e traremos uma proposta de solução em breve.

Outra mudança muito significativa são os recordes de reclamações na ANS. Hoje, o cliente não hesita em denunciar as condutas questionáveis dos planos à Agência, órgão legítimo e especializado em investigar e, se necessário, punir más condutas dessas operadoras. Motivos para isso não faltam. 

As negativas assistenciais de algumas são obscenas. Seja mudando na calada da noite quimioterápicos, sem a concordância dos médicos ou ciência dos pacientes, seja na negativa de terapias para crianças autistas, defendidas por suas mães como leoas implacáveis, seja negando exames, cirurgias ou tratamentos prescritos pelos médicos responsáveis por esses pacientes. 

Basta uma simples consulta aos dados da ANS para ver que esses usuários não estão se sentindo protegidos e não deixarão barato e, através desse movimento, trarão o assunto para a luz, para ser discutido, lidado e solucionado por aqueles que pagam e exigem respeito. 

 

Haikal Helou é presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg)