Postado em: 29/03/2021

AHPACEG NA MÍDIA - Covid-19: Preços de medicamentos para UTI têm alta de até 1.000% durante a pandemia

Bandeira da Suica

REVISTA ÉPOCA 27/03/21

Covid-19: Preços de medicamentos para UTI têm alta de até 1.000% durante a pandemia

Devido à alta demanda e à escassez de insumos, relaxantes musculares e anestésicos que compõem o chamado 'kit intubação' são vendidos a valores bem acima do praticado no início de 2020

Com a alta demanda e a escassez de insumos, medicamentos usados no tratamento da Covid-19 em UTIs sofreram uma alta nos preços de até cerca de 650%, em média, a nível nacional durante a pandemia, mas há casos específicos em que esse aumento superou 1.000% no mercado farmacêutico. Relaxantes musculares, anestésicos e sedativos que compõem o chamado "kit intubação" - substâncias essenciais para intubar um paciente - são os mais afetados.

Associações que representam os hospitais do país apontam que as unidades têm estoque de alguns produtos que devem durar menos de uma semana e encontram dificuldade para adquirir tais medicamentos. De acordo com as entidades, importações emergenciais estão sendo feitas para atenuar o problema da falta dos fármacos em meio à fase mais crítica da pandemia no Brasil, que registra recordes diários de óbitos em decorrência da doença e o colapso do sistema de saúde, com filas de espera por leitos de UTI em vários estados.

Segundo levantamento da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), o relaxante muscular midazolam, em frascos de 3 ml, saltou de R$ 22,78 antes da pandemia para uma média de R$ 174. Entre os mais usados do kit intubação, o atracúrio 10mg/ml saiu de R$ 32,10 para R$ 195, enquanto o rocurônio 50 ml custava R$ 33,33 e agora é vendido por R$ 201. Outro que teve uma das altas mais consideráveis foi o propofol (indicado para sedação), cuja caixa com ampolas de 20 ml variou de R$ 28,70 a R$ 183.

A pesquisa foi conduzida com dezenas de hospitais de pequeno porte associados à confederação e espalhados por todas as regiões brasileiras. A entidade, que congrega oito federações e 90 sindicatos de saúde do país, verificou ainda que o consumo desses medicamentos, com destaque para os anestésicos, cresceu de 800% até 2.350% desde março do ano passado.

"Temos verificado esse aumento fora da curva na pandemia e com cenários de comportamentos diferentes. Alguns que subiram lá atrás e voltaram a cair estão subindo novamente; existem produtos que vieram constantemente subindo, independente de alta utilização ou não; tem aqueles que subiram no início e caíram voltando a preços próximos a antes da pandemia, como as máscaras. Nesse momento, a gente está vendo esse problema muito grave com material de intubação", disse Breno Monteiro, presidente da CNSaúde.

De acordo com o Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (IPM-H), desenvolvido mensalmente pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a plataforma Bionexo, o grupo terapêutico "aparelho cardiovascular" - que abarca analgésicos, anestésicos e sedativos - registrou uma variação acumulada de 48,88% entre fevereiro de 2020 e o mesmo período deste ano. Já o grupo "sistema musculesquelético", que abrange relaxantes musculares, analgésicos e anti-inflamatórios, subiu 38,36% em média neste intervalo.

Dados regionais

Recortes mais específicos de alguns estados analisados por ÉPOCA mostram, no entanto, que a variação acumulada atingiu patamares exponenciais quando se trata de determinados exemplares. Em Goiás, por exemplo, o midazolam de 10 ml teve aumento de até 1.600%, segundo levantamento da Associação de Hospitais Privados de Alta Complexidade de Goiás (Ahpaceg).

Conforme pesquisa da entidade, o rocurônio saltou de uma média de R$ 16 para R$ 158, ao passo que o propofol 10 ml, que custava em torno de R$ 8, agora é cotado em R$ 70. Em menor escala, o analgésico remifentanil 2 ml pulou de cerca de R$ 20 para R$ 52. Já os equipamentos de proteção individual (EPIs) cresceram em média entre 200% a 300%, com destaque para a luva de procedimento, cuja caixa com 100 unidades é vendida por volta de R$ 90 frente aos R$ 15 cobrados no princípio da pandemia.

A título de comparação, o mesmo item variou de R$ 28,20 a R$ 89,25 nas compras realizadas por hospitais do Rio de Janeiro. Já a caixa com 50 unidades de máscara descartável foi de R$ 4,71 para R$ 41,85, segundo levantamento da Associação de Hospitais do Estado do Rio (Aherj) de março do ano passado até agora.

Segundo a farmacêutica Ana Valéria Miranda, coordenadora da Central de Compras da Ahpaceg, medicamentos como atracúrio, cisatracúrio e vecurônio estão com cotações zeradas em razão de sua escassez. A tendência é que dentro de uma semana outros fármacos se esgotem e não há perspectiva de reposição. A imprevisibilidade da pandemia, que afetou o planejamento de unidades, é considerada um dos principais entraves.

"Tem pacientes, por exemplo, que só podem receber o rocurônio. Se tentar usar outro relaxante, dependendo da condição clínica dele, ele vai rebaixar e o risco de você perdê-lo é alto. A gente já está no plano D. O médico começa a trabalhar com outras drogas, para não deixar o paciente em estado de alerta, não ter que amarrá-lo. A falta de relaxante é muito preocupante e crítica", afirmou Miranda.

No Amazonas, estado onde a rede de saúde colapsou no início do ano, o preço de medicamentos para sedação e neurobloqueadores subiu em média 600% - o que engloba propofol e midazolam. O valor do relaxante pacurônio aumentou na ordem de 700%, enquanto o atracúrio, bastante usado na intubação, teve alta média de 500%, segundo dados fornecidos pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Amazonas (Sinessam).

Na avaliação do presidente do Sinessam, Adriano Terrazas, o exemplo do que aconteceu na capital Manaus na crise de oxigênio deveria ter alertado para um iminente desabastecimento de insumos e medicamentos nos hospitais. Segundo ele, funcionários de hospitais do estado chegaram a ser enviados até fábricas no Rio e em São Paulo para buscar pessoalmente alguns produtos em falta.

"Quando interfere nos insumos de produção daquela medicação, quando falta ou não tem no mercado para comprar, a tendência é que a demanda aumente, e o preço automaticamente vai subir. Não tem muito o que fazer. Esses aumentos assim são por causa do consumo excessivo. Não tem fabricante no Brasil que consiga sustentar isso", explica Terrazas.

A comercialização de medicamentos no Brasil se baseia na tabela Brasíndice, que traz os valores do preço de fábrica (PF) e preço máximo ao consumidor (PMC). O setor é regulado pela Câmara e Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), ligada à Anvisa, que auxilia na definição dos valores e reajustes anuais. No entanto, esses preços estão sujeitos a oscilações por fatores como a capacidade de produção da indústria e a alta do dólar, já que boa parte dos insumos é importada.

Segundo Gustavo Kloh, professor de Direito do Consumidor da FGV, não é vedado por lei o aumento dos preços por parte de farmacêuticas. O que existe, explica, é apenas uma recomendação e um direcionamento facultativo. Embora a legislação não impeça o reajuste, se constatada a elevação abusiva, pode-se recorrer ao Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). Nesse caso, o órgão tem poder para aplicar multas à empresa, uma vez comprovada conduta inadequada.

"Se alguma farmacêutica quiser aumentar um medicamento num valor muito alto, porque está escasso ou por causa do dólar, não há vedação. Quando sai muito desse padrão, elas podem ter dificuldade de vender para o governo, que é um comprador relevante. A gente já observou em outras situações que a escassez acaba resultando no aumento de preço. Existe uma pressão de demanda que joga o preço do medicamento para cima, como aconteceu na época da gripe suína", disse Kloh. "O fator de reajuste é importante para que haja um direcionamento no mercado, mas as farmacêuticas não estão proibidas de aumentar mias do que isso, não", concluiu.

Reclamação antiga

Em julho de 2020, a Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Fehoesp) enviou um ofício ao então ministro da Saúde Eduardo Pazuello no qual relatava que mais de 95% dos hospitais associados reclamavam da alta no preço dos medicamentos. Conforme pesquisa conduzida pela entidade na ocasião, 15,79% afirmaram que houve fármacos cotados em valores superiores a 1.000%.

No dia 5 de fevereiro, o sindicato dos hospitais do estado alertou em documento aos ministérios da Saúde e Economia que detectou uma "preocupante alta de preços de medicamentos e equipamentos de EPI, o que pode trazer graves entraves nos atendimentos, além de dificuldades de reposição de estoques".

Na última semana, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) reforçou que vários hospitais do país possuem os produtos necessários para tratar Covid-19 apenas por mais três ou quatro dias. Em nota, a entidade afirmou que que a solução em curto prazo depende do Ministério da Saúde. Na terça (23), foi convocada uma reunião na Câmara após diversos estados relatarem que o aumento no número de internações pela Covid-19 no início deste ano levaram à redução nos estoques de anestésicos usados no processo de intubação de pacientes graves da doença.

Questionado, o Ministério da Saúde afimou que está distribuindo mais de 2,8 milhões de unidades de medicamentos de intubação orotraqueal (IOT) para todo o Brasil, em parceria com três empresas fabricantes. Disse ainda que a logística híbrida com a integração pública e privada permitirá que os medicamentos estejam nos estabelecimentos de saúde em menos de 72 horas.

"A empresa Cristália comprometeu-se a fornecer 1.260.000 unidades de medicamentos - as entregas já começaram no dia 23 de março e devem continuar ao longo dos próximos sete dias. A empresa Eurofarma também começou as entregas de 212 mil ampolas em todo território nacional no dia 23. A empresa União Química também enviará, até o dia 30 de março, 1.400.000 unidades de medicamentos", disse a pasta em nota.

Rodrigo Castro